A JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO DE PARTIDO POLÍTICO POR DESVIO DE PROGRAMA PARTIDÁRIO E GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL

14/02/2011 20:11

 

Filipe Schitino[1]

O Supremo Tribunal Federal ao entender pela constitucionalidade das Resoluções da lavra do Tribunal Superior Eleitoral de n°s 22.610/2007 e 22.733/2008, no julgamento da ADI 3999/DF[i] e ADI 4086/DF em 12.11.2008, contribuiu, como legislador negativo, para moralização de uma prática tão corriqueira na política brasileira, que coloca em risco todo o sistema democrático. O desrespeito do parlamentar a fidelidade partidária, aos programas, ideais e preceitos do partido político, defendidos em praça pública com finalidade de captação de votos junto aos eleitores, para implementação do programa de governo, cometido no desempenho do mandato.

Neste cenário de sucessivas trocas de legendas partidárias, divorciadas dos pilares da moralidade, democracia e interesse público, com escopo de privilegiar os parlamentares com benesses, tais como, “loteamento” de cargos públicos na administração, atendimento aos interesses dos cabos eleitorais em detrimento ao povo necessitado e sofrido, favorecimento em contratos celebrados e ações do Poder Público, dentre outras práticas impublicáveis e reinantes, lamentavelmente, na política brasileira, o Tribunal Superior Eleitoral nos termos do artigo 23, XVIII do Código Eleitoral[2], atendendo aos apelos indignados da sociedade civil brasileira, editou as Resoluções em estudo, visando, suprir as históricas omissões legislativas, imprimindo-se frenagem nos processos de desfiliação de parlamentares, imbuidos deste espírito.

Quis o Tribunal, fortalecer o instituto da fidelidade partidária, asseverando, todavia, que o mandato parlamentar pertence ao partido politico, “forma de agremiação de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo”[3], e não ao candidato eleito que atua ao bel prazer de seus intereresses, sem prestar contas a legenda e sem observância aos programas da agremiação partidária, prevalecendo, sobretudo, a vontade soberana do povo ao sufragar nas urnas, pelo sistema proporcional, aquele partido político, que irá representá-lo no parlamento.

Na mesma linha de proteção ao bem jurídico da moralidade, da estrita observância ao programa partidário e de governo, no desempenho da função parlamentar em sede de fidelidade partidária, o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, na esteira dos arestos prolatados nos Mandados de Segurança n° 26.602, 26.603 e 26.604 da lavra do Supremo Tribunal Federal, resolveu disciplinar o procedimento de perda do cargo eletivo e de justificação de desfiliação partidária, editando a Resolução 22.610/2007:

“Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.”

§ 2º - Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral.”

§ 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.

Art. 2º - O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo estado.” (grifo nosso)

A Resolução legitima o partido político a ajuizar ação no TSE (mandato federal) e TRE´s (mandato estadual e municipal) de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária no prazo de trinta dias da desfiliação do parlamentar infiel, autorizando quem tenha interesse jurídico e o Ministério Público a manejar a ação no prazo de trinta dias subseqüentes ao prazo conferido ao partido político.

Observa-se, neste ponto, em destaque na norma jurídica sub examen que a justa causa do parlamentar para exercer o direito de desfiliação de partido político pelo qual se elegeu, tem como pressuposto, especialmente, além da incorporação, criação e fusão do partido, como causa para mantença do mandato, hipóteses de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, bem como a grave discriminação pessoal.

A mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, em tema de declaração de perda de mandato por infidelidade do parlamentar por desfiliação partidária, ou seja, a alteração da essência do partido político no curso do mandato do parlamentar prejudicado (exemplo: mudança de situação para oposição ou vice-versa), bem como a mudança insistente dos rumos da instituição praticados por seus dirigentes no que tange a não observância aos princípios e diretrizes internas de cunho político que regem a atuação da agremiação depositados em cartório nos termos dos artigos 9°, I[4] e 14[5] da Lei Orgânica dos Partidos Políticos c/c o artigo 12, I da Resolução TSE n° 19.406/95[6], legitima o parlamentar prejudicado a ajuizar a competente ação declaratória, objetivando a manutenção do mandato.

Quanto ao critério objetivo instituído pela Resolução do Eg. TSE, de grave discriminação pessoal sofrida pelo parlamentar atingido, nos termos do artigo 1°, IV, urge ressaltar reiteradas situações corriqueiras na política, que resultam, segundo a douta jurisprudência, em tratamento desigual e injusto perpetrados pelos demais membros da instituição partidária, que viole efetivamente o princípio da igualdade por conta de uma característica pessoal do discriminado, tornando insustentável e inexigível a permanência do parlamentar no respectivo partido político.

Desta feita, o parlamentar atingido, fica submetido ao isolamento, desprestígio e marginalização dentro da sigla, impossibilitando o cumprimento do programa político-partidário e a permanência na agremiação. Esta situação corporifica-se, por exemplo, nos casos de expulsão[7] (infundada ou não)[ii], revanchismo excessivo, ameaças internas, migração de adversários políticos tradicionais e históricos do parlamentar, acirrando o cenário político, tolhendo o parlamentar prejudicado, causando repulsa aos eleitores.

Podemos mencionar um caso clássico de “grave discriminação pessoal”, como causa autorizativa de desfiliação partidária sem perda do mandato por infidelidade, na hipótese de desvio de conduta do Diretório Estadual que resolve impingir medidas antidemocráticas e de inobservância ao estatuto interno, preterindo o parlamentar atingido de exercer seu direito de participação nas comissões e cargos internos do partido, dissolvendo, na maioria das vezes, os diretórios locais e nomeando comissões provisórias para enfraquecer os dissidentes.

Na esteira deste entendimento sustentado neste artigo, decidiu o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, reconhecendo a justa causa para desfiliação do parlamentar da agremiação político-partidária, sem perda do mandato e a posse do suplente do partido, verbis:

“É justa a causa de desfiliação partidária do vereador que integrava diretório municipal extinto e sucedido por comissão provisória entregue aos seus antigos adversários políticos. Interpretação extensiva excepcional das excludentes previstas no artigo 1º, § 1º, III e IV, da Resolução TSE nº 22.610/2.007, pois assim como a criação de partido novo configura justa causa para desfiliação do anterior, para vereador também o é a situação inversa, o fim do partido na esfera municipal seguido de grave discriminação pessoal.”

(TRE-PR, Processo 621, Acórdão nº 32.864, Relator: AURACYR AZEVEDO DE MOURA CORDEIRO, Publicado no DJ do dia 18.03.2008)

Assentadas tais premissas, em sede de fidelidade partidária, deverá o julgador, proceder à análise peculiar diante das circunstâncias do caso concreto, tutelando-se o bem jurídico da moralidade e da estrita observância ao programa partidário e de governo no desempenho da função parlamentar, adotando-se o princípio da razoabilidade como “um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente ao todo ordenamento jurídico: a justiça”.[8]

Deixo minha humilde colaboração à comunidade jurídica brasileira, como ponto inicial para discussão e sedimentação deste instituto tão nobre e salutar a democracia.

MELLO, Filipe Schitino Silva de. A Justa Causa para desfiliação de partido político por desvio de programa partidário e grave discriminação pessoal. Blog Advogado Filipe Schitino, Nova Friburgo, ano 2009. Disponível em: <https://advogadofilipeschitino.blogspot.com/>

 


[1]Advogado militante na cidade de Nova Friburgo/RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes/Nova Friburgo.

[2] Art. 23 do CE Compete, ainda privativamente, ao Tribunal Superior:

(...)

XVIII – tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1998, pág.395.

[4] Art. 9° da Lei n° 9.096/95 – Feita a constituição e designação, referidas no § 3° do artigo anterior, os dirigentes nacionais promoverão o registro do estatuto do partido junto ao Tribunal Superior Eleitoral, através de requerimento acompanhado de:

I – exemplar autenticado do inteiro teor do programa e do estatuto partidários, inscritos no Registro Civil.

[5] Art. 14. Observadas as disposições constitucionais e as desta Lei, o partido é livre para fixar, em seu programa, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organização e funcionamento.

[6] Res. TSE n° 19.406/95:

Art. 12. Feita a constituição e designação dos órgãos de direção municipais e regional, o presidente regional do partido solicitará o registro no respectivo Tribunal Regional Eleitoral, através de requerimento acompanhado de:

I - exemplar autenticado do inteiro teor do programa e do estatuto partidários, inscritos no Registro Civil;

[7] Art. 22 da Lei n° 9.096/95: O Cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de:

(...)

III – expulsão;

[8] BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Constitucional. Revista do Ministério Público. N° 04. Rio de Janeiro: Órgão Cultural do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, 1996, pág. 165.


Jurisprudência Selecionada:

[i] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22.610/2007 e 22.733/2008. DISCIPLINA DOS PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. 2. Síntese das violações constitucionais argüidas. Alegada contrariedade do art. 2º da Resolução ao art. 121 da Constituição, que ao atribuir a competência para examinar os pedidos de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária ao TSE e aos Tribunais Regionais Eleitorais, teria contrariado a reserva de lei complementar para definição das competências de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais (art. 121 da Constituição). Suposta usurpação de competência do Legislativo e do Executivo para dispor sobre matéria eleitoral (arts. 22, I, 48 e 84, IV da Constituição), em virtude de o art. 1º da Resolução disciplinar de maneira inovadora a perda do cargo eletivo. Por estabelecer normas de caráter processual, como a forma da petição inicial e das provas (art. 3º), o prazo para a resposta e as conseqüências da revelia (art. 3º, caput e par. ún.), os requisitos e direitos da defesa (art. 5º), o julgamento antecipado da lide (art. 6º), a disciplina e o ônus da prova (art. 7º, caput e par. ún., art. 8º), a Resolução também teria violado a reserva prevista nos arts. 22, I, 48 e 84, IV da Constituição. Ainda segundo os requerentes, o texto impugnado discrepa da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal nos precedentes que inspiraram a Resolução, no que se refere à atribuição ao Ministério Público eleitoral e ao terceiro interessado para, ante a omissão do Partido Po lítico, postular a perda do cargo eletivo (art. 1º, § 2º). Para eles, a criação de nova atribuição ao MP por resolução dissocia-se da necessária reserva de lei em sentido estrito (arts. 128, § 5º e 129, IX da Constituição). Por outro lado, o suplente não estaria autorizado a postular, em nome próprio, a aplicação da sanção que assegura a fidelidade partidária, uma vez que o mandato "pertenceria" ao Partido.) Por fim, dizem os requerentes que o ato impugnado invadiu competência legislativa, violando o princípio da separação dos poderes (arts. 2º, 60, §4º, III da Constituição). 3. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária. Ressalva do entendimento então manifestado pelo ministro-relator. 4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo. 5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcional e transitório, tão-somente como mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar. 6. São constitucionais as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.
(ADI 3999, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/2008, DJe-071 DIVULG 16-04-2009 PUBLIC 17-04-2009 EMENT VOL-02356-01 PP-00099)

[ii] EXPEDIENTE SEM CLASSIFICAÇÃO. DECRETAÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. VEREADOR. GRAVE DISCRIMINAÇÃO PARTIDÁRIA. PROPOSTA DE EXPULSÃO. CONCRETIZAÇÃO. JUSTA CAUSA ADVINDA DO PRÓPRIO PARTIDO POLÍTICO. IMPROCEDÊNCIA.

1. Quando o próprio partido político instaura procedimento de expulsão, configura a justa causa a ensejar a desfiliação, porquanto não mais deseja que o filiado permaneça em seu Quadro de Filiados.

2. Comprovação de justa causa e improcedência da Ação.

Decisão A Corte, por unanimidade, julga improcedente a presente Ação, nos termos do voto da Relatora.

(ESC -11439, Relator(a) MARIA NAILDE PINHEIRO NOGUEIRA, TRE–CE, Publicação DJ - Diário de justiça, Tomo 124, Data 03/07/2008, Página 190/191